A pouco mais de 200 km de Cuiabá, Rondonópolis, além de possuir o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) do estado, tem o privilégio de guardar o território de seus fundadores, e de tantas outras cidades vizinhas – estamos falando dos índios Boé Bororo.

Ser Bororo
Hoje, com uma população aproximada de dois mil índios, os Bororos são fortemente representados nos municípios Rondonópolis, Santo Antônio de Leverger, Poxoréu, e até mesmo no Pantanal, destacando-se pelo senso de organização, pelo domínio na arte da caça, pesca e plantio, assim como pela facilidade de adaptarem-se ao novo, sem contudo, desprezarem suas raízes. Terras reconhecidas e pacificadas por Marechal Rondon, até pouco tempo sobrepôs ao seu povo o mister sacrifício de lutar pela manutenção de sua posse.
Rico em cultura, o funeral dos Bororo é o ritual mais complexo já visto. Com duração que chega a três meses, todas as aldeias participam, de modo que a atividade somente se encerra após a dança do Couro da Onça, onde membros da família caçam o felino para oferecer à alma daquele que se foi. Alma que habitará um outro animal da floresta.
A divisão dos clãs e sub clãs é outro ponto marcante e enigmático, vivido intensamente por esses indígenas. Da autorização de matrimônio à assunção de função na aldeia, dependerá do clã a que pertence.
Ser Bororo é entender que a terra não é apenas o lugar em que o índio mora, mas sim, o elemento central da religião e da identidade cultural, recebida de seus ancestrais.
Manter as tradições, frente às dificuldades, é ponto de honra para esse povo que vem encontrando na atividade turística a saída para suprir as necessidades básicas das comunidades.
Turismo
O turismo em reserva indígena vem crescendo a todo vapor, atraído pelos encantos das paisagens, pelo estilo íntimo com a natureza, através do artesanato, das danças, crenças e rituais.
É um setor rico de oportunidade, onde instituições públicas e privadas estão se capacitando para atuar, num futuro bem próximo.
Sob a ótica da trilogia da conservação x sustentabilidade e geração de recursos, Mato Grosso vem precedendo com projetos turísticos em diversas áreas indígenas, proporcionando às comunidades oportunidade de emprego local, qualidade de vida e estímulo para a conservação de suas raízes.
Mais do que um passeio, a visita a uma comunidade indígena proporciona ao turista um novo olhar [dessa vez despido de preconceito] do que é ser índio.
O etnoturismo – como vem sendo chamado, recebe o apoio do Governo Federal, que incentiva o uso dos recursos das Terras Indígenas em prol dos mesmos, ressaltando porém, a preocupação em cometer o menor dano à natureza, somada a não interferência na identidade cultural do povo visitado.
Normatização
Na mesma linha de incentivo, promovendo políticas voltadas ao desenvolvimento sustentável das populações indígenas, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) lançou uma Instrução Normativa em 2015 (IS Nr 03/2015), estabelecendo as normas e diretrizes relativas às atividades de visitação para fins turísticos em Terras Indígenas de todo o território nacional. O objetivo da norma visa definir parâmetros para a efetiva prestação de serviço ao público, de maneira segura e responsável. Ressalta-se que, por ocasião da criação do Plano de Visitação, o mesmo deve ser desenvolvido exclusivamente pelos indígenas interessados, baseado no princípio do mínimo de impacto ambiental e da rotina natural daquele povo.
Ações e empreendimentos
Ainda que vivendo no momento pandêmico viral, os trabalhos para a efetivação do etnoturismo não pararam. No último dia 05 de março, Rondonópolis sediou um evento com a temática direcionada à implantação do turismo nas terras do povo Bororo. O encontro contou com a participação de diversos representantes dos setores público, privado, e é claro, das lideranças indígenas. Na ocasião, instituições do setor financeiro ofereceram oportunidade de empréstimo com pouca burocracia.
Localização
Cortadas pelo rio Vermelho, as Terras Indígenas Jarudore, Tadarimana e Tereza Cristina possuem aldeias preservadas pelo toque da natureza, com cachoeiras, piscinas naturais, cavernas, falésias e animais de várias espécies, refúgio ideal para quem busca uma experiência longe da vida agitada da sociedade consumista. Regido pela lei da natureza e pela cadência dos ciclos do rio e dos animais, já de início, os visitantes aprendem que o tempo do relógio não coincide com o tempo que os índios vivem.
A equipe da Primeira Fonte de Notícias, foi até a morada do fato para descrever com respaldo. Na Terra Indígena Tadarimana, onde ainda se preserva o posto telegráfico de Marechal Rondon, respira-se tradição e trabalho. Áreas tomadas pela agricultura familiar ornamentam as oito aldeias, enquanto o rio encachoeirado convida o visitante à prática de esportes radicais. “Nosso maior patrimônio é a língua, que continua sendo falada pelos novos e velhos”, segundo o Cacique geral Bosco Arquimedes Marido Kurireu. “Implantar o turismo nas aldeias, para nós, ganha branco e ganha índio”, completou o cacique.
Cortada pelo rio Vermelho, a Terra Indígena Tereza Cristina está localizada na cidade Santo Antônio de Leverger/MT, mas sofre influência econômica de Rondonópolis. Um pouco mais isolada, possui quatro aldeias, duas de cada lado do rio. Povo simpático e acolhedor, costuma receber os visitantes com seus artesanatos e história da origem dos Bororo. Na aldeia Gomes Carneiro dar-se gosto em ver os projetos em desenvolvimento e a “casa dos homens”, local sagrado, onde é proibido o acesso de mulheres. Ao final da visita fomos surpreendidos com um almoço tradicional.
A reserva Jarudore, localizada em Poxoréu/MT, vizinha de Rondonópolis, possui apenas uma aldeia, chefiada pela cacica Maria Aparecida Ekureudo (Doca). Além dos ensinamentos da cacica Doca, das cachoeiras de águas quentes e cristalinas, andando pelas trilhas, pode-se contemplar as esculturas talhadas pela natureza nas rochas de arenito, abundante no local.
Seguindo o serpenteado do rio Vermelho, até entrar no São Lourenço, no coração do Pantanal, encontramos os Bororo da Terra Indígena Perigara, que merecem comentários à parte. Tomada pelo bioma do pantanal, a única aldeia – também chamada Perigara, convive harmoniosamente com a fauna e a flora. É local certo para avistar onça pintada, jacaré, pássaros de infinitas espécies e saborear o inconfundível peixe pintado.
Ainda no Pantanal mato-grossense, o turista tem o prazer de percorrer a recente área indígena, homologada pelo Governo Federal – Baía dos Guató, formada por índios de cultura e tradição ímpar, conservadores do sotaque local, que a pesar de terem sido quase dizimados, por ocupantes de suas terras, cumprimentam suas visitas com uma mão, e com a outra, oferecem o tradicional tereré, mostrando assim, o tamanho de sua simpatia. Carlos Henrique Guató, está à frente do projeto Avistamento de Onça Pintada, que de maneira harmoniosa, acompanha os rastros do animal, que possui um esturro característico, confirmado por nossa equipe. Carlinhos afirma que é muito comum a presença de turistas pela região, em razão das pousadas que ficam na outra margem do rio, fora de área indígena. Distribuídos em duas aldeias, os Guató são exímios artesãos de olaria e conhecem os embrenhados do Pantanal como ninguém.
Agências de turismo estão de olho no Plano de Visitação dessas terras indígenas, que visa unir a geração de renda para as comunidades e a oportunidade de todos conhecerem o santuário preservado.
O etnoturismo, como prática cada vez mais comum por todo país, vem mostrando à sociedade formas alternativas de trabalho sustentável para geração de renda.