Nelson Barbudo nega ter incitado a invasão da Terra Indígena Marãiwatsédé
O Ministério Público Federal ( MPF ) em Barra do Garças, no Mato Grosso, alertou que qualquer tentativa de invasão ou ataque à Terra Indígena Marãiwatsédé e aos indígenas que vivem no local receberá “resposta enérgica” dos órgãos e agentes públicos. O MPF prometeu responsabilizações criminal e civil dos envolvidos. O aviso ocorre após a Fundação Nacional do Índio ( Funai ) afirmar que o deputado eleito Nelson Barbudo (PSL-MT) teria prometido invadir a demarcação e devolver o espaço a agropecuaristas locais que foram retirados da reserva por decisão do Supremo Tribunal Federal ( STF ) em 2012. Mais votado no estado, o parlamentar nega.
Homologado em 1998 e considerado uma posse do povo xavante, o território em questão tem 165,2 mil hectares e esteve envolvido durante 14 anos em disputas judiciais. Donos de gado e agricultores de soja e arroz ocupavam irregularmente a área e nela queriam permanecer. No fim da disputa, há sete anos, o governo federal realizou a retirada dos não-índios.
Em um vídeo gravado por Nelson Barbudo, ele afirma que a remoção foi “um crime que cometeram sobre os que produziam” no local. As imagens foram feitas ao lado da prefeita de São Félix do Araguaia (MT), Janailza Taveira Leite (SD-MT).
De acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), o parlamentar também teria prometido que colocaria de volta na área demarcada os ocupantes que foram retirados em 2012 e encaminhados para novas áreas de plantio cedidas pelo Incra. A afirmação teria sido feita em uma praça da cidade Alto da Boa Vista (MT).
Na última terça-feira, o escritório regional da Funai pediu apoio às autoridades devido às constantes ameaças de reinvasão da área.
O texto da nota divulgada pelo MPF afirma que qualquer iniciativa ilegal “receberá resposta enérgica e eficaz dos órgãos e agentes estatais incumbidos legalmente de preservar a incolumidade pessoal, ordem pública e respeito às instituições e suas deliberações”. Também foram asseguradas que não será permitida “a prática de atos de que atentem diretamente contra o núcleo formado pelos valores supremos da dignidade humana e a higidez das instituições”.
‘Nunca incentivei invasão’, diz deputado
Procurado pelo GLOBO, o deputado Nelson Barbudo afirmou que vai pedir ao presidente Jair Bolsonaro que reveja o processo de retirada dos produtores rurais da área, mas ressaltou que nunca incentivou invasão e prometeu abandonar a causa se a reserva for invadida.
— Se invadirem a área estou fora, abandono a causa. Nunca incentivei invasão e se tem alguém incentivando não sou eu. Não apoio invasão nem do MST (Movimento Sem-Terra), nem de produtor. Sou democrata e legalista — garantiu.
O parlamentar afirmou que o processo de demarcação da terra indígena teve falhas e que foi devolvida aos índios uma área que não era originalmente deles.
— O processo, ao meus olhos, é cheio de vícios. Eu vou ser interlocutor das pessoas que foram retiradas injustamente da área, mas sou contra qualquer invasão e quero deixar isso bem claro — disse.
O ofício enviado pela Funai às autoridades cita constantes rumores de que a invasão está marcada para o fim deste mês e que os não-índios já estariam se dirigindo a pontos estratégicos para a reocupação. Os boatos, segundo a Funai, geram clima de tensão na região e os índios xavantes prometem resistir a qualquer reocupação da área.
A fundação pediu à Polícia Federal que sejam investigadas as ameaças que tem sido feitas a indígenas. Informa ainda que estava prestes a ser assinado um Termo de Ajustamento de Conduta para retirada de bois que ainda hoje são criados dentro da reserva. Durante o processo de desocupação, o bispo Dom Pedro Casaldáliga chegou a ser ameaçado. Ele ainda vive em São Félix do Araguaia.
Veja nota do MPF:
O Ministério Público Federal em Barra do Garças, por meio do Procurador da República Titular do 1º Ofício, Everton Pereira Aguiar Araújo, diante das recentes manifestações veiculadas por canais de comunicação e redes sociais em relação à revisão da demarcação e articulação para invasão da área da Terra Indígena Marãiwatsédé, esclarece que:
1. A Terra Indígena Marãiwatsédé é localizada nos municípios de Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia e São Félix do Araguaia. No ano de 1966, cerca de 400 índios da etnia xavante foram retirados de territórios tradicionalmente ocupados, situados onde posteriormente seria demarcada a Terra Indígena Marãiwatsédé, para permitir a ampliação dos domínios da fazenda de pecuária extensiva Suiá-Missu. Removidos para o sul do estado, os xavantes de Marãiwatsédé dispersaram-se rumo a outras terras indígenas xavante e, desde então, iniciaram a luta pela retomada de seu território.
2. Em 1992, por ocasião da realização da Conferência Mundial do Meio Ambiente (ECO 92), o grupo empresarial estrangeiro detentor da área comprometeu-se, publicamente, a restituir a área à comunidade indígena, tendo a FUNAI deflagrado os estudos para identificação da área, razão pela qual instaurou-se o regular processo administrativo no âmbito da autarquia indigenista e, em seguida, foi editada a Portaria nº 363, de 30/09/1993, do Ministério da Justiça, reconhecendo a TI Marãiwatsédé como de ocupação tradicional dos xavantes.
3. A demarcação veio a ser homologada por decreto do Presidente da República em 11/12/1998 (DOU 14/12/1998).
4. Após diversas insurgências e quase duas décadas de intensa e desgastante disputa judicial, no segundo semestre de 2012, deu-se início a execução da desintrusão da T.I Marãiwatsédé. A partir de então, uma série de fatos criminosos se sucederam, visando impedir, de todas as maneiras, a ação dos órgãos federais que auxiliaram a FUNAI no plano de desintrusão da TI Marãiwatsédé, todos objetos de denúncia criminal pelo Ministério Público Federal.
Esclarecidas tais circunstâncias, em relação às supostas articulações tencionando a invasão da Terra Indígena Marãiwatsédé, o Ministério Público Federal assevera que o respeito aos poderes e às instituições constitui a expressão mais pura e simples de um comportamento pautado pelo bom senso e pela percepção de que, com intransigência e radicalismo, não há como manter, nem conquistar minimamente, uma necessária e salutar pacificação do convívio entre diferentes segmentos.
Entende que o direito de protestar contra mazelas ou fazer reivindicações sofre grave desvirtuamento, rompendo com sua raiz democrática, quando exercido com a finalidade, explícita ou dissimulada, de conseguir pela força da brutalidade o resultado prático visado pelo grupo que desse tipo de expediente lança mão.
Alerta, por fim, que eventual tentativa de invasão da Terra Indígena Marãiwatsédé ou qualquer ataque dirigido a este espaço territorial ou aos seus ocupantes receberá resposta enérgica e eficaz dos órgãos e agentes estatais incumbidos legalmente de preservar a incolumidade pessoal, ordem pública e respeito às instituições e suas deliberações, apta, por conseguinte, a coibir e a inibir a prática de atos de que atentem diretamente contra o núcleo formado pelos valores supremos da dignidade humana e a higidez das instituições, com a responsabilização civil e criminal de todos os envolvidos.
Fonte: O GLOBO