Um ano em atividade
Em outubro de 2018, Aripuanã, cidade mato-grossense distante a 976 km da capital, voltava a ocupar as primeiras páginas de notícia, motivada pela descoberta de um garimpo, apelidado de “Nova Serra Pelada”, na fazenda Dardanellos, localizada na serra do Expedito. A notícia atraiu aventureiros e curiosos em busca de ouro na região, já que os relatos diziam que o minério estava “brotando na terra”. Por isso, chegou-se a calcular um efetivo de 3 mil pessoas no topo da serra.
Nos primeiros meses, as dificuldades se sobressaiam perante a chance de mudar de vida. O difícil acesso e a falta de água para mover os moinhos, que fazem a separação do ouro, fez com que os aventureiros que trabalhavam num sistema de exploração rudimentar chamado de “sequeiro” (atingindo apenas a superfície da área) abandonassem seus sonhos, até porque os relatos iniciais não condiziam com a realidade daquele garimpo. “Sim, ouro tem, mas não na superfície, e sim, dentro da rocha, chamado ouro de filão, necessitando, para tanto, conhecimento técnico e equipamentos adequados para a exploração”, afirmou o prefeito Jonas Rodrigues da Silva (PR), conhecido como “Jonas Canarinho”.
Ainda em outubro de 2018, houve uma Audiência Pública, em Aripuanã, para tratar exclusivamente do assunto, onde a Polícia Federal deu um ultimato para que todos saíssem, de forma espontânea, antes da subida deles, programada para os próximos dias, o que não ocorreu.
Passado um ano do início das primeiras escavações, com uma população de duas mil pessoas, é notável a transformação ocorrida na região do garimpo. Hoje não há mais necessidade de ir até a cidade com o carro lotado de sacos de terra para passar no moinho, pois diversos poços artesianos já foram furados, possibilitando o serviço de trituração lá mesmo no garimpo. A principal estrada de acesso, conhecida como estrada da corrente) lugar que funciona 24 horas e presta diversos tipos de apoio para quem chega) foi alargada e patrolada. Hoje, lá em cima, para atender as centenas de famílias que ocupam a área, há fornecimento de energia elétrica por meio de um gerador estacionário, internet Wi-fi, restaurantes, bares, além de uma pequena farmácia e uma igreja da Assembleia de Deus, que nos próximos dias serão inauguradas. Os fornecedores da cidade sobem, diariamente, para suprir o comércio desenvolvido pelos próprios garimpeiros.
O comércio da cidade ficou mais aquecido, lojas não param de abrir, aumento na geração de empregos tornou a economia local superavitária. Por sua vez, o município vem se adequando para atender as demandas dessas pessoas, oriundas de diversos rincões do Brasil afora.
Visita ao garimpo
Na busca da “morada do fato”, o site Primeira Fonte de Notícias, há poucos dias, visitou novamente o garimpo de Aripuanã, e constatou tais transformações, que vieram para descomplicar o dia a dia, que por sua natureza, é insalubre e perigoso.
A recepção de nossa equipe, no topo do garimpo, nos levou a concluir que ao garimpeiro é atribuído um estereótipo que não condiz com a sua realidade. Como um bom anfitrião, o Sr Ernandes, conhecido como Chapéu Preto, e sua esposa Marta, nos elucidou o funcionamento e os atuais problemas que aqueles trabalhadores vêm enfrentando, bem como a expectativa de criar uma cooperativa para que possam ser reconhecidos profissionalmente. Chapéu Preto, com perfil assistencialista, foi declarado “prefeito do garimpo”, por sua atuação comunitária e também, por ser um dos mais antigos e experientes garimpeiros no local.
O sacrifício coletivo de cada jornada, faz com que a amizade entre eles seja aferida em quilates; o problema de um passa a ser de todos. Como dizem, “a amizade de garimpo vale ouro”. Prova disso foi a realização de um bingo beneficente, cujo objetivo era arrecadar recursos para custear a cirurgia do amigo “Véio”.
É obvio que num lugar com duas mil pessoas, também há suas inconveniências, mas não são elas que se destacam, deveras, são casos excepcionalmente isolados.
Conhecendo cada canto do garimpo, acompanhado do Sr José do Nascimento, integrante da liderança religiosa e responsável pela construção da igreja, o mesmo nos relatou a importância e o resultado da obra de Deus que eles vêm desenvolvendo naquele lugar.
Com o slogan: GARIMPO SOCIAL, lideranças estão se reunindo para discutir algumas ações a serem desenvolvidas em prol da comunidade, como expedição de documentos, corte de cabelo, campeonato de futebol, palestras de diversos temas – de Infecções Sexualmente Transmissíveis a Educação Financeira.
“Garimpo não é lugar para pessoa preguiçosa”, enfatizou uma jovem senhora, conhecida como Loira, que nos contava um pouco de sua experiência na arte de garimpar.
Processo de legalização
Diante do entendimento do Governo Federal, em relação à legalização dos garimpos clandestinos, no qual defende a atualização da norma jurídica para a possibilidade de uma exploração de forma sustentável, sem replicar os desastres ambientais do passado, a exemplo do ocorrido na Serra Pelada, no estado do Pará, o presidente Bolsonaro tem defendido um projeto de viabilidade junto ao ministério de Minas e Energia para que seja apresentado na Câmara dos Deputados. Tal ação governamental visa legalizar os garimpos clandestinos, criando mecanismos de geração de emprego e renda, para que o Estado possa prover dignidade a essa parcela de brasileiros que buscam a sobrevivência enfrentando a dura jornada num ambiente totalmente hostil, desprovido de qualquer segurança para a sua integridade física.
Entretanto, nos últimos anos, a luta para a valorização da categoria vem ganhando espaço, a exemplo da lei nº 11.685, de 2 de junho de 2008, que instituiu o Estatuto do Garimpeiro, assegurando-os direitos e deveres. Dentre os direitos:
“Art. 9º – Fica assegurado ao garimpeiro, em qualquer das modalidades de trabalho, o direito de comercialização da sua produção diretamente com o consumidor final, desde que se comprove a titularidade da área de origem do minério extraído” e dentre os deveres: “Art. 12 (…), III – cumprir a legislação vigente em relação à segurança e à saúde no trabalho”.
Atualmente há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 405/09), do deputado Cleber Verde (PRB-MA), que inclui os garimpeiros e os pequenos mineradores no Regime Geral da Previdência Social. Na prática, a PEC garante a eles o recebimento de aposentadoria no valor de um salário-mínimo, independentemente de ter ou não produção comercializada, além de benefícios por acidentes do trabalho. Todavia, em conversa com os garimpeiros, essa PEC não agrada a maioria, uma vez que a renda com atividade de garimpagem seria reduzida drasticamente.
As cenas dos próximos capítulos são promissoras. Resta, portanto, uma efetiva elaboração de políticas públicas, independente e autônoma, capaz de rumar o país a um desenvolvimento sustentável.